quarta-feira, 17 de agosto de 2011

"DEUS OS FAZ, E ELES SE JUNTAM."

A estória de uma bela viagem, realizada de 22 a 27/junho/2008 de Campo Grande/MS a Tiradentes/MG, por 4 grandes amigos.
Durante a viagem, na ida, primeiro dia, sofri um acidente. A moto escorregou em uma poça de óleo, na entrada de uma rotatória, e eu caí. Nada de sério, a não ser alguns hematomas nas pernas e uma pequena torção do pé direito, além de um grande susto, é claro! Pensei em desistir da viagem, e o que aconteceu, na íntegra, eu conto no relato abaixo. Por algum motivo, constrangimento, sei lá, na época pedi sigilo do ocorrido aos companheiros de viagem, e nem mesmo a minha esposa ficou sabendo, a não ser na volta da viagem. No entanto, uma semana depois que voltamos, visitando o site “Rock Riders”, li um relato de um acidente de um cara na Fernão Dias, indo para Tiradentes, no mesmo dia que eu cai também! Era o Renzo Querzoli, personagem conhecido no mundo motociclístico de São Paulo e Rio. Ele é uma figura, cineasta, já fez dois ótimos documentários a respeito de motos (Alma Selvagem 1 e 2). No Rock Riders ele estava contando a respeito do ocorrido com ele, no mesmíssimo dia que aconteceu o “meu” acidente, só que muito mais sério, na rodovia Fernão Dias, já em Minas Gerais. Ele vinha com a sua moto custom em alta velocidade, não conseguiu fazer uma curva, e bateu na mureta que divide a pista, caindo. Só não se machucou mais porque estava bem equipado. E só não morreu porque não vinha carro atrás na hora da queda. Nasceu de novo. Li o relato, e me identifiquei na hora: tinha que contar o meu acidente pra alguém, como que fazer um desabafo, e ele me parecia a pessoa ideal. Assim, fiz este relato, de casa, à noite, e mandei para o email dele, sem nunca tê-lo visto na vida, nem conhecê-lo de lugar nenhum. Como todo irmão motociclista, uns 3 dias depois o cara me retornou com uma simpatia surpreendente, muito receptivo, e dali pra frente trocamos vários emails. Ficamos amigos pela internet, trocando vários emails por algumas semanas, só que depois nunca mais nos falamos. Segue abaixo o relato que fiz, com os comentários dele, exatamente como o email que mandei, em julho/2008:

Renzo: “Oi Marcio! O que vc escreveu é tão legal, mas tão legal, que em vez de responder normalmente, vou comentando o que vc diz. Vc vai achar que sou maluco - num certo sentido sou mesmo - mas acho que desse jeito eu consigo transformar essa tua bela história, numa espécie de papo gostoso entre nós. E lá vou eu!”
Marcio: “Olá, Renzo, li o seu relato no Rock Riders, sobre a ida para Tiradentes. Estou te escrevendo pra dizer que li o seu depoimento sobre o seu acidente na Fernão Dias, e me identifiquei na hora! Aconteceu comigo tbm, na mesma viagem, e no mesmo dia! Moro em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, estado que tem belas estradas, muito retas e planas. Vc já deve conhecer. Ter uma moto sempre foi o meu sonho. Comecei com uma moto pequena em 2005, e em 2007, realizei o meu sonho: comprei a minha Suzuki VstromDL1000. Gosto de motos altas, estilo Big Trail, e queria uma moto para viajar.
Já com alguma experiência em pequenas viagens, moto encontros, e tal, resolvi com mais 3 amigos, quase que de última hora, ir no famoso encontro de Tiradentes/MG. Saímos na quarta feira à tarde, dia 25/06, já que tínhamos 1.400 km para percorrer! O plano era chegar lá na quinta à tarde. Éramos quatro motos: 3 Harleys e eu de VStrom, tocando na média a 120-140 km/h, todos sozinhos, sem garupa. A tocada foi um pouco mais "forte" até a cidade de Três Lagoas/MS, pois havíamos marcado de encontrar um dos amigos por lá, o Marco Girão. Na entrada da cidade, ainda no MS, na divisa com SP, em uma rotatória, tinha uma poça de óleo diesel derramado no chão. O famoso óleo na pista. O primeiro amigo, Jorge, que estava um pouco na frente, passou fora do óleo. O segundo, Julio, passou sobre a poça e quase caiu, e o terceiro, que era eu, foi o escolhido. Entrando na rotatória e, mesmo devagar, quando passei sobre o óleo, a moto deslizou um pouco a traseira e “rabeou” com força. Eu me assustei, freei (creio eu!), a moto foi reto, bateu no meio fio do canteiro do lado direito, e eu fui para o chão, sem saber como, nem quando, naquele que seria o primeiro tombo de moto, na estrada, da minha vida. Devia estar a uns 40-50 km/h. No tombo eu sai da moto pela esquerda, também sem saber como. Quase que pulei da moto e cai de pé, em puro reflexo mesmo. Estava bem equipado, com jaqueta e calça de cordura com proteções, luva, protetor de coluna, botas, etc... Nada de grave aconteceu, a não ser o meu pé esquerdo que ficou roxo na altura do tornozelo, e doeu por uns 3 dias, e uma mancha roxa na perna direita, em toda a extensão do joelho até a virilha, que ficou por até uns 15 dias depois. Nem o capacete encostou no chão. Saí da moto, olhei, e pensei: É o fim da viagem pra mim!
O Júlio, o único que me viu cair, e que quase caiu tbm, voltou e me ajudou a levantar a moto, com outras pessoas que estavam por ali. Olhei a VStrom, e parecia que tudo estava bem, a não ser alguns arranhões na carenagem do lado esquerdo. Funcionei o motor e montei, com a adrenalina alta, tremendo de susto, e pensei: se estiver boa, continuo! Quando andei os primeiros metros, vi que a roda da frente estava torta, e o guidão balançava bastante quando andava. Pensei na hora: aqui em Três Lagoas tem Suzuki! Vou lá agora (Eram umas 4 da tarde). Troco ou mando desamassar a roda, se é que é só isto mesmo, e continuo a minha viagem! Quando cheguei na Suzuki, o pessoal me desanimou. Disseram que roda nova nem pensar, tinha que encomendar na Suzuki e levava uns 30 dias pra chegar. Como não havia quebrado nem trincado nada, restava a opção de tentar consertar. Fizeram umas duas ou três ligações telefônicas, e chegaram à conclusão de que eu tinha que levar para Araçatuba, para tentar desamassar. Nisto chegaram os amigos Jorge e Girão, que estavam nos esperando no posto do Cristo. Ali eu desanimei, e também lembrei que tinha seguro da moto. Pensei: vou pôr a moto em um guincho, e voltar para Campo Grande. Eles seguem a viagem deles, não posso atrapalhar os amigos, já que o nosso plano naquele dia era dormir em Bauru, 300 km à frente, na Marechal Rondon. Foi aí que eu conheci na prática, o real sentido da amizade na estrada, e da frase "Cumpanhêro é cumpanhêro, e fdp é fdp": nenhum dos amigos me permitiu pensar em voltar sozinho, e ainda disseram que se a roda não ficasse boa, voltaríamos todos, pois a viagem já havia valido a pena! Ali a coisa mudou, fiquei me sentindo realmente muito apoiado, e resolvi levar a moto até Araçatuba para tentar desamassar a roda.
Chegamos lá às 9 da noite, eu de Corolla do dono do guincho, e a moto em cima do caminhão. A adrenalina baixou, e a minha perna direita começava a formigar, na altura da coxa. Eu pensei: "Devo ter batido no guidão, quando saí por cima dela no tombo".”
Renzo: “Aqui interrompo pra comentar uma coisa maluca, que não contei na minha matéria: quando cheguei na minha Pousada e tirei a calça, quase desmaiei quando vi a minha canela direita. Tinha um galo do tamanho de um ovo de galinha - sem exagero - e sangrava um pouco pelos cortezinhos. A outra canela igual, mas com a pancada mais espalhada. Mão e cotovelo também muito inchados, quase não conseguia acelerar, ao chegar. Passei a noite quase inteira fazendo compressas de gelo. Bendito freezer do térreo. Dia seguinte, comecei a andar e não parei mais, até chegar em casa. Claro que não contei nada antes. Depois que cheguei, no dia seguinte, parecia o Day after verdadeiro. Só consegui andar mais ou menos bem, depois de 3 dias. Minha conclusão: a adrenalina era tamanha, que as dores só vieram no final, que nem num Dakar... Loco, né?”
Marcio: "Descarregamos a moto, e um senhor, a "fera" das rodas, que já estava lá nos esperando, olhou e disse: "Eu conserto! Pode passar aqui amanhã às 9:30 da manhã que estará pronta. Não vai precisar nem balancear." Eu me animei novamente. Fomos para o hotel, eu tirei a calça de cordura e ver o que tinha acontecido, aonde estava formigando (até então ainda não tinha tido tempo de olhar direito), já tinha uma grande mancha roxa, do joelho até a virilha, do lado direito. Não falei pra ninguém em casa do acidente. Liguei para a esposa, e disse que estava tudo bem, e que tínhamos resolvido dormir ali, porque atrasou, e coisa e tal. Saímos para comer uma pizza, eu com o astral lá embaixo, voltamos e fui dormir cedo aquele dia. No outro dia, acordei bem, e às 8:30 já fui ver a moto como estava. Estava acabando de consertar, e o Sr. Alcides deu garantia que ia ficar melhor do que antes! Ali paguei os R$ 100,00 mais felizes da minha vida, que ainda achei muito barato! Só pra ilustrar, uma roda nova custava perto de R$ 3 mil... Montei na moto, e falei para o Julio: vou pegar a Rondon e dar uma esticada. Se ficar boa, vamos embora. Estiquei a moto e nem sinal de tremedeira, estava boa! A não ser algumas carenagens quebradas e riscadas, a moto estava normal. Nem o pisca quebrou. Senti falta de um protetor de motor, de cano, daqueles grandes.
Cheguei ao hotel buzinando, feliz da vida, enquanto os outros 2 companheiros Girão e Jorge aguardavam as notícias. Pagamos o hotel, e saímos de Araçatuba às 11 hs da manhã. Perdemos quase um dia de viagem com o problema! Ou melhor: ganhamos um dia!
Foi o que descobri durante o resto da viagem. Com o tombo, acabou a pressa, e a viagem tomou outro rumo: a de que estávamos ali para curtir a estrada, e pra que a pressa de chegar?! O meu pequeno acidente na verdade nos uniu! Um dos amigos, o Girão, religioso, citou Deus, que sabe o que faz, o que concordo plenamente. Por algum motivo aquilo deveria ter acontecido. Dali para frente, estávamos muito mais unidos, e preocupados uns com os outros. Saímos da rodovia Marechal Rondon para pegar a estrada para Jaú e Brotas, maravilhosa, andando a 120 km/h, curtindo a estrada e parando para tirar fotos. Atravessamos por cima da Washington Luis e da Anhanguera, e fomos dormir em Poços de Caldas. Chegamos lá ainda com o dia claro e clima frio. Paramos, pois um dos amigos estava reclamando muito da suspensão da sua moto, e pediu pra parar que queria ver o que era. Por mim continuava, mas pensei depois: Pra quê? Queria conhecer Poços faz tempo! Assim, resolvemos dormir lá, e curtimos a noite na cidade, em um boteco, com um maravilhoso feijão tropeiro, ao lado do hotel. Naquele dia ainda mudamos a nossa rota original para Tiradentes, graças a esta parada em Poços. Quando chegamos, conhecemos uma pessoa da cidade, que nos deu um roteiro melhor, nos livrando de uma estrada ruim e cheia de buracos que íamos pegar... Olha Deus falando com a gente de novo! Fomos por Pouso Alegre, e a estrada era bem melhor. Saímos na Fernão Dias, e como vc disse, estrada perigosíssima! Muito caminhão e carreta, e curvas a cada 500 metros! Mesmo de VStrom, que é boa de curva, passei aperto várias vezes. Parecia que a curva não acabava! Chegamos em Tiradentes às 3 da tarde. Que cidade maravilhosa, e que viagem! Nem preciso contar do encontro, pois vc estava lá e viu tudo. É o melhor encontro do Brasil sem dúvida!”
Renzo: “É mesmo! No ano passado (2007) eu não vi nada! Filmávamos o tempo todo, num corre-corre, saindo de um take pro outro sem parar. É outro olhar. Desta vez praticamente não fiz muita coisa. O Berg e o filho dele me cederam espaço na tenda oficial, aquela na pracinha, que vendia as camisetas do Bike Fest. Lá pusemos um banner e dvd’s à venda. Desta vez eu pude conhecer um monte de gente e jogar conversa fora. Foi uma delícia, e aí comecei a mudar muitos planos que eu já tinha para fazer o Alma 2, que será só sobre viagens.”
Marcio: "No domingo voltamos, saindo às 9 da manhã por causa da neblina. No sábado à noite, conheci um senhor em Tiradentes, que me passou outro roteiro, mais curto. Desci a Fernão Dias no sentido SP, e entrei à direita, para Varginha. Antes de chegar a Alfenas, pegamos uns 15 km de estrada péssima, quase intransitável, em manutenção. O plano era almoçar em Passos, mas quando chegamos a Alfenas, o mesmo amigo que estava reclamando da suspensão da sua Harley, o Júlio, me disse para parar que ele estava arrebentado, a suspensão estava batendo. Pensei: hora do almoço, pois já era 12:30 hs. Parei num posto, e perguntei por um bom restaurante, com uma área para descanso. O cara indicou uma pousada a 20 km, no sentido para Passos, ou seja, no nosso roteiro, chamada Pousada do Porto. Chegamos lá, no lugar mais bonito de toda a viagem, um restaurante na beira da lagoa de Furnas, coisa de cinema! Ou seja, sem querer, e por questões diversas, a gente acabava acertando todas! Saímos de lá quase duas da tarde, e fomos em frente. Andando juntos, sempre devagar, a 120-130/h. Andamos quase 800 km no domingo, e dormimos em São José do Rio Preto. Na segunda tocamos os 600 km restantes e chegamos em Campo Grande às 3 da tarde, cansados fisicamente, mas renovados de cabeça e alma! Antes de irmos para as nossas casas, paramos as motos, nos abraçamos, rezamos um Pai Nosso, e agradecemos por tudo. Pensei comigo: esta foi a melhor viagem da minha vida!"
Renzo: “Realmente, uma viagem e tanto. Vc viajou muito mais interiormente do que esses quilômetros rodados. Pode ter certeza que isso vai ficar na alma de todos vocês até o finalzinho da vida, naquele momento em que terminamos de editar o filme da nossa vida para nós mesmos, em primeira mão. Se vc ainda não leu, leia o livro "Zen e a arte da manutenção de motocicletas". É meio chato, mas maravilhoso. Li varias vezes e dei para cada um dos meus filhos quando compraram suas primeiras motocicletas. Vc vai adorar.”
Marcio: "Fui pra casa, e depois contei tudo para a esposa, que foi a única que soube da história toda, na época. Eu tinha que contar a minha experiência, e quando vi o seu relato, me deu vontade, mesmo sem te conhecer. Estranho isto..."
Renzo: “Estranho nada, isso é cósmico! Um dos capítulos do meu filme intitulei com um ditado que minha mãe diz desde que me conheço por gente: "Deus os faz e eles se juntam". E acho que vc escreve bem, deveria editar um pouco e mandar para algum jornal ou revista da tua região, juntando fotos desses teus amigos. Assim as pessoas vão saber que turma legal vcs são. E mais, vamos continuar nos falando, eu pretendo viajar e filmar muito ainda. Na verdade, pretendo fazer isso até  os 80 anos...rererere. Quem sabe a gente ainda não se cruza por aí?”
Marcio: "Daquele tombo pra frente, senti que algo mudou, principalmente entre nós, durante as viagens. Não digo que nunca mais darei alguns piques, mas loucura, correria, não faço mais. E andar equipado, é o melhor investimento que posso fazer. Agradeço e parabenizo vc pelo depoimento, o que me motivou a tbm lhe enviar o meu. Um grande abraço!"
Renzo: “Marcio foi um prazer falar com vc e não duvido que a gente se encontre mesmo, um dia destes! Abração! Renzo Querzoli”

Quem sou eu

Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brazil
51 anos, casado, zootecnista, empresário, carnívoro convicto e motociclista.