Dia 7: Coyhaique a
Cochrane: 420 km
Diário de Bordo
A ESTRADA MAIS BONITA
DA AMÉRICA DO SUL! MAS TEMOS QUE PILOTAR COM CUIDADO...
Após uma noite de sono
reparadora, já que “dormimos” na balsa na noite anterior, aquela cama do hotel
Los Nires ($54.000 pesos/apto duplo) caiu muito bem! Acordamos 7:00 hs, com uma
garoa fina e de vez em quando um sol muito tímido. Tomamos o café, e a chuva
aumentou. Arrumamos tudo, colocamos as capas e seguimos, sem abastecer, pois
tínhamos abastecido 100 km antes, no vilarejo Manihuales. As motos estão
fazendo 18 a 19 km/litro de gasolina na carretera. Se for no rípio, fazem 19 ou
até 20. Nossa tocada no rípio é de 60-80 km/h e às vezes em algumas retas dá
pra andar a até 100 km/h mas o melhor mesmo é ir mais devagar, e sempre
cuidando a estrada, e prestando atenção, pois pode ser traiçoeiro...
Saímos de Coyhaique
debaixo de uma chuva fina e intermitente, um frio de 12 a 14 graus, seguindo
por uma estrada de concreto estreita e como sempre por paisagens muito bonitas,
sempre acompanhados por alguma montanha com neve. Andamos uns 80 km, e
distraídos com algumas bicicletas (os 3 com GPS...), acabamos errando a entrada
à direita para a ruta7 (Carretera), e tivemos que voltar uns 13 km. Tem muitos
ciclistas na rodovia, toda hora passamos por algum, em casais ou sozinhos.
Depois que entramos à direita, subimos a mais de 1000 metros, esfriou ainda
mais, e entramos em um vale, em um parque nacional, simplesmente maravilhoso,
mesmo com a chuva, aquilo ali é muito bonito e vale a pena ver. Depois descemos
uns caracoles, com curvas em cotovelo. Com os pneus Karoo3, e ainda com o
concreto molhado, tem que fazer curva devagar e com cuidado... Logo passamos a
entrada para Puerto Ibanez à esquerda, aonde em janeiro de 2011 eu e o
Capitinga entramos para pegar a balsa para Chile Chico. Passamos direto, claro,
e logo começou o rípio! Debaixo de chuva, com a estrada molhada, e em
construção... O receio era grande, pois alguns amigos já tinham falado a
respeito desta estrada “pesada” e das condições mais difíceis. Mas o rípio
molhado é surpreendentemente firme e não escorrega nada, ficando até melhor do
que o seco. Mas como era sábado, não havia obras nem máquinas na pista, e nem
interrupções. Seguimos tranquilos e curtindo aquilo tudo.
Rodamos uns 120 km de
rípio bom, sem surpresa alguma, e a chuva foi parando, até acabar. Logo
avistamos o magnífico lago General Carrera, o segundo maior lago da América do
Sul, com as suas águas azuis esverdeadas. As paisagens deslumbrantes, paramos
algumas vezes para tirar fotos. Chegamos em Puerto Tranquilo já eram 12 hs e
paramos para abastecer (isto mesmo, tem um posto Copec lá). Almoçamos um “lomo
a lo pobre”, que é um bife gigante, com cebola, dois ovos fritos e batatas
fritas ($6.000 pesos/pessoa) e fomos fazer o passeio nas Capilas de Marmol ou
Capelas de Mármore ($7.000 pesos/pessoa). O passeio dura em torno de uma hora e
meia, e sai de um pequeno porto que fica a uns 1000 metros das lojinhas e da
vila. O dono da agencia nos levou até lá de Hilux. O barco é aberto, com motor
50cv e cabem 10 pessoas sentadas. Fomos com as roupas da moto mesmo, só
deixamos os capacetes e as malas de tanque na agencia, e as motos ficaram lá,
paradas em frente, com as malas amarradas em cima, mas eles garantiram que
seria seguro, e uma pessoa ficaria lá cuidando. O lago estava meio agitado, mas
o piloto garantiu que estava calmo aquele dia. Logo chegamos nas Capilas, que
ficam às margens, do lado direito do lago pra quem desce. São pedras de mármore
esculpidas pela água, com 450 milhões de anos, e formaram-se cavernas, buracos
dentro das pedras, em formas variadas, como se fossem várias janelas. O barco
entrou dentro de algumas delas, paramos, dá pra encostar a mão. Muito bonito! O
sol se abriu, iluminando ainda mais a água. Ficamos ali, rodamos por várias
estruturas, tem a Catedral, e várias outras formações curiosas, com formas de
animais. Voltamos ao porto, descemos, pegamos as motos e voltamos ao posto,
para dali seguirmos até o nosso destino do dia, Cochrane, a 120 km dali. Já
eram 16 hs quando saímos de Puerto Tranquilo. Entre o almoço e o passeio,
gastamos 4 horas. Enquanto nos preparávamos para sair, chegou um carro com duas
alemãs e um americano, que moram em Brasília, e falavam português, e ficaram
impressionados com as motos, com a placa do Brasil, e nos encheram de perguntas
(Quantos km já tínhamos rodado, se tínhamos saído do Brasil, se estávamos
cansados, etc...). Saímos, agora com tempo firme e sol, a estrada estava
totalmente seca e muito boa. Peguei a frente, e segui na tocada de cruzeiro, de
vez em quando olhando o lago à esquerda, que a cada curva se mostrava mais
belo, um cartão postal atrás de outro! Acho que rodamos uns 50 km mais ou
menos, de repente olhei no retrovisor e não vi o farol do Capitinga. Parei para
esperar, e não aparecia ninguém. Resolvi voltar. Manobrei a moto na difícil e
estreita estrada, e comecei a retornar. Não andei nem 3 km e apareceram os
dois. O Padilha só acenou com a mão. Fiz o retorno novamente, e o alcancei. O
Padilha havia caído um pouco atrás, estava com a capa de chuva rasgada nas
costas, o guidão da moto um pouco torto do lado esquerdo, e o retrovisor
quebrado, do mesmo lado. Ele disse que estava bem, só o pé estava doendo um
pouco, e que iria seguir, mas que iria despachar a moto e a viagem estava
acabada. Falei que nada disso, que iríamos ver o que aconteceu e que continuaríamos.
Nem chegamos a descer das motos, ele já acelerou e seguiu na frente. Sei como é
isto. Quando se cai, ficamos atônitos e cheios de adrenalina, no começo. Depois,
batem as perguntas (Porque caí? Mas que bobeira! Logo eu! E agora?), e a sua
moral cai lá embaixo. Andamos uns 10 km, e em uma ponte o Padilha parou a moto.
Descemos, e agora sim fomos ver a moto e conversar a respeito. A estrada estava
MUITO BOA e por isso mesmo não devemos descuidar. As estradas de rípio tem duas
ou três marcas de pneus dos carros (trilhos), aonde sempre rodamos. Normalmente
gosto de andar na do meio ou na da direita, pois se vier carro de frente, passa
tranquilo. No meio das marcas dos pneus dos carros, tem os “montinhos” de pedra
solta, que a moto dança pra lá e pra cá, dependendo do tamanho destes montinhos
de terra e pedra. Mas nas laterais da estrada, tem muita pedra solta e fofa, e
quase sempre valetas fundas. Ou seja, se a moto for pra lateral da pista, a
chance de cair é muito grande e quase certa! E foi isto que aconteceu com o
Padilha. Ele disse que não sabe se dormiu ou foi só distração, mas ao olhar
para à esquerda da estrada, para o lago, e se distrair por alguns segundos, a
moto foi para a lateral da pista, caiu na valeta e derrapou para a direita,
batendo a caixa metálica e o guidão do lado esquerdo. Ele saiu da moto, e deve
ter batido ou apertado o pé entre o chão e a moto, pois torceu e machucou,
estava inchado, e ele quase não aguentava ficar com a bota, teve que abrir. Mais
uma reflexão a respeito de segurança em viagens: sempre compre e use uma bota
MUITO BOA, de preferência de cano alto e bem firme, pois isto pode salvar o seu
pé! A primeira coisa que machuca em tombos de moto é o pé. Mesmo com o pé assim,
o Padilha resolveu pilotar pelos 70/80 km que ainda faltavam pra chegar em
Cochrane, e lá resolver o que fazer. Sabe-se lá o que passa pela cabeça da
gente por este tempo todo... Em um rípio seco e muito bom, sem chuva alguma,
peguei a frente e fui seguindo um pouco mais rápido do que os dois, para achar
um hotel, já que tínhamos feito reserva, uma indicação do Martin (Ultimo
Paraiso), mas não sabia aonde era. Cheguei lá, sábado à tarde, estava havendo
uma carreira de cavalos na cidade, de 3 mil habitantes, e bem ao estilo
interior, que vive de pecuária somente. Perguntei em um posto, e quando achei o
hotel, o Capitinga e o Padilha já estavam chegando, logo atrás de mim. Outra
reflexão: eu fui na frente andando a 80-120 km/h e correndo risco de cair, e
eles vieram a 60-80 km/h, bem mais tranquilos e com segurança. A diferença de
tempo entre eu e eles não foi nem de 10 minutos! Por isso, não vale a pena
correr no rípio, e sim andar devagar, entre 60 e 80 km/h pois você consegue
apreciar melhor a paisagem e com MUITO MAIS SEGURANÇA! Paramos no hotel, já haviam
duas motos lá no fundo, duas BMWGS1200WC, com placa da Alemanha. Eram de um
casal, cada um com a sua moto. Pegamos dois quartos, estacionamos as motos e
fomos ver como estava o Padilha. Quando tirou a bota, vimos que estava bastante
inchado e feio. Ele quase não conseguia colocar o pé no chão. Tomamos banho,
trocamos de roupa, e chamamos um carro para irmos ao hospital, que ficava a
duas quadras do hotel. Logo chegou um taxi e nos levou. Não havia ninguém no
hospital para nos receber, a recepção totalmente vazia, e fomos entrando. Havia
uma enfermeira e um médico de plantão, atendendo uma senhora, aparentemente
pressão alta ou algo assim. Esperamos por cerca de 20 minutos, e nos atenderam.
A enfermeira, uma senhora baixa e gorda, fez a ficha do Padilha, e encheu de
perguntas. Mediu a pressão, a temperatura e depois encaminhou para o médico ver,
um médico novo, com cara de enfermeiro. Ele examinou o pé, e disse que
provavelmente estava quebrado, pelo inchaço. Mas iria fazer uma radiografia. Ali
mesmo ao lado era a sala de raio-x e logo já fizeram a radiografia. O resultado
foi animador, pois não havia fratura! Até ali ainda estávamos alimentando a
esperança do Padilha continuar a viagem, se o pé melhorasse, claro! Arrumaríamos
a moto, desentortando um pouco o guidão com um cano, e amarrando a proteção da
mão com fita adesiva.
Mas não era bem
assim... O médico disse que ele teria que imobilizar o pé e que não poderia mexer
por pelo menos 1 semana... E que teria que engessar, ou colocar uma tala.
Engessar nem pensar, falamos! Vamos colocar uma tala. Iríamos em uma farmácia
ali perto, compraríamos uma bota ortopédica ou tala, e iríamos esperar o pé
desinchar, para irmos embora.
VIDEO CASSETADA!
Chamei um táxi na rua, por
sorte vinha passando um, e com o Padilha sentado em uma cadeira de rodas, já
que não conseguia andar direito, fui descer uma rampa para fora do hospital, já
chegando na calçada. O cara com quase 100 kg pendeu pra frente e não consegui
segurar a cadeira, pois a rampa era muito íngreme, e entrei errado, de
frente... Ele ainda falou: “Cuidado pra não me derrubaaaaaar!” Mas foi dito e
feito! E lá se foi o Padilha pro chão, rolando, com o pé pra
cima, com cara de dor, em uma cena digna de uma vídeo cassetada do Faustão! O táxi estava
nos esperando a alguns metros, o taxista viu tudo de camarote, e balançava a
cabeça para os lados, certamente pensando: “Que malucos!”. Ajudei o Padilha a se levantar, ele com cara de mais dor ainda, aquilo parecia cena de filme de comédia e drama... Dispensamos o táxi e voltamos para o hospital novamente, agora dispostos a engessar o pé, pois pelo menos imobilizaria. Mas
na última hora, devido ao tamanho do gesso e da impossibilidade de tirar e
colocar roupas, resolvemos novamente colocar a tala mesmo... rsrsrs... Enquanto chamavam outro táxi, sai na
rua, à pé, atrás de uma farmácia aberta, que disseram que tinha uma a 2 quadras dali. Mas naquelas alturas, já eram 21:30
hs, e tudo estava fechado! Não havia farmácia nenhuma aberta naquela cidade.
Tentamos chamar o dono da farmácia, que mora no fundo, gritamos, batemos palma,
mas nada. Resolvemos voltar para o hotel... Com o Padilha devidamente deitado e
agora com gelo em cima do pé, e já tomado o remédio que o médico passou (Dipirona...), saímos para jantar, eu e o
Capitinga, e com a missão de trazer uma janta para o enfermo. Achamos um único
restaurante aberto, pedimos um salmão com arroz para 3 pessoas, um para viagem,
comemos e voltamos para o hotel. Fomos dormir já tarde. O Padilha
definitivamente desistiu de continuar, e acionou o seguro da moto, para leva-lo
embora e buscar a moto no hotel. Dei pra ele um remédio mais forte, o Arcoxia 90, e uma pomada para dor, e colocamos uma bolsa de gelo no pé.
A viagem de agora em diante será somente eu e
o Capitinga... E bora pra frente! Amanhã veremos o que vamos fazer, primeiro
ajudar o amigo e companheiro, e depois ver se iremos completar até o final da Carretera,
indo até Villa O’Higgins!
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